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14 de março de 2012

Rogerinho do Cavaco Escreve Sobre Concursos de Samba Enredo

Concurso de Samba Enredo: Alegrias e Polêmicas
Ou, “Definições e Critérios para a organização de concursos de sambas de enredo em agremiações carnavalescas”, por Rogerinho do Cavaco.
Enredo é o que podemos dizer, o esqueleto de uma narrativa, aquilo que dá sustentação a história, ou seja, é o desenrolar dos acontecimentos. É também um relato de fatos vividos por personagens e ordenados em uma sequência lógica e temporal, enredo é o conjunto de fatos ligados entre si que fundamentam a ação de um texto narrativo. O enredo pode ser  organizado de várias formas.
No contexto do carnaval os enredos propostos pelas escolas de samba são elaborados a partir de uma idéia central, os carnavalescos, aderecistas e demais funcionários de barracão confeccionam alegorias e fantasias dentro de um tema que muitas das vezes pode gerar várias ramificações. Exemplo: o enredo “Aquarela Brasileira” apresentado no Rio de Janeiro no desfile da Escola de Samba Império Serrano no ano 1964 e reeditado em 2004, fez uma homenagem a um dos clássicos da música popular brasileira “Aquarela do Brasil” de Ary Barroso, exaltando o país contando em versos a respeito das regiões geográficas, a beleza da arquitetura tradicional e moderna, das lendas e costumes das diferentes culturas que compõem nossa nação.
Samba de enredo é a música que embala o desfile das escolas de samba, deve conter letra e melodia de fácil assimilação do público mas ao mesmo tempo fiel ao enredo, ou seja o tema. O êxito de uma agremiação em muito depende do andamento do samba e seu desenrolar na avenida, alguns compositores preferem deixar o samba mais interpretativo (feito com muitos recursos poéticos) e outros gostam mais de trabalhos descritivos (com uma forma coloquial, direta). Isto tudo é variável de acordo com o estilo do desfile e a setorização de uma escola (ordem de fantasias e alegorias) que pode mudar de carnaval para carnaval.
Segundo a crítica o maior samba de enredo da história foi feito a partir do enredo “Aquarela Brasileira”, os versos do compositor Silas de Oliveira “Vejam esta maravilha de cenário, é um episódio relicário...” até hoje são cantados. Existem outros clássicos como: “Sonhar não custa nada, o meu sonho é tão real...” feito a partir do enredo “Sonhar não custa nada ou quase nada” da Mocidade Independente de Padre Miguel em 1992, Peguei um Ita no Norte de 1993 que resultou no animado samba “Explode coração na maior felicidade...” e muitas outras obras primas de várias escolas.

Ser membro de uma comissão julgadora de um concurso de samba enredo é uma tarefa de muita responsabilidade pois a partir das notas desta comissão é que será definida a música, o hino que uma comunidade irá cantar na avenida. Os jurados devem julgar a obra propriamente dita e não o compositor que a construiu. Os critérios de avaliação utilizados geralmente são letra e melodia.
A letra deve ser fiel a elementos do enredo, a melodia deve ser de fácil assimilação com trechos “alegres” para proporcionar uma boa interação e desempenho dos componentes da escola durante o desfile. O critério harmonia (que não é utilizado sempre nos concursos de samba enredo) é definido como o perfeito sincronismo dos intérpretes e músicos (cavaquinho e violão com os ritmistas da bateria, em síntese pode-se dizer que o samba deve se “enquadrar na bateria”.
O jurado deve ter muita sensibilidade e atenção ao observar a apresentação das obras concorrentes pois nem sempre numa boa interpretação está o melhor samba, nem sempre o melhor samba foi bem interpretado e nem sempre os ritmistas da bateria executam bem o acompanhamento. A comissão julgadora deve ler antes o enredo (sinopse) alguns dias antes do concurso e se fixar na análise da construção dos sambas esquecendo os possíveis laços de amizades com determinados compositores e outros interesses que não estão relacionados ao fortalecimento, crescimento e credibilidade de uma agremiação no seu grandioso papel de difusora cultural e educacional para a sociedade.
Músicos, maestros, compositores, cantores, autores de enredos, escritores, poetas educadores, jornalistas, radialistas, programadores musicais de rádio e TV e amantes do samba que lêem sobre o assunto, compram discos do gênero e freqüentam ambientes onde a música é executada como as rodas de pagode, show´s e ensaios de agremiações são pessoas indicadas para a formação de uma mesa de jurados. O número de 5 a 7 é uma quantidade ideal para uma comissão que muitas vezes é presidida pelo carnavalesco ou autor do enredo. É necessário um equilíbrio para definir os nomes que irão compor a mesa pois músicos e maestros geralmente distribuem mais atenção para a melodia e esquecem da letra, o inverso dos carnavalescos, enredistas e aderecistas que muitas  vezes por falta de conhecimento musical não conseguem avaliar melodias e possuem maior aptidão para a análise das letras. Um jurado pode identificar uma boa letra mas talvez não poderá perceber se uma linha melódica foi bem construída e vice versa.
Existem compositores com um estilo de sambas simples e retos que tornam as obras fáceis por conterem uma linha melódica padronizada dentro das sequências harmônicas tradicionais (sem dificuldades para o acompanhamento dos músicos que tocam cavaquinho e a interpretação da melodia para os intérpretes). Este tipo de obra é interessante mas é comum se tornar cansativa de ouvir várias vezes (vale lembrar que no desfile apenas uma música é cantada).
Outros autores possuem um estilo de sambas com variações melódicas e harmônicas (altos e baixos). Este tipo de samba para muitos profissionais da música é considerado bom por causa das modulações mas algumas vezes é considerado “difícil” pelo grande público.
O bairrismo é natural mas ele não pode ser determinante para a escolha de um samba enredo. A agremiação deve formar um júri com uma porcentagem de 20% ou 30% de pessoas que não participam diretamente da entidade. Comentários como “quem quer o melhor para a escola é quem participa dela” nem sempre estão corretos pois o olhar daquele que “está de fora” pode servir de “despertar para aqueles que estão dentro”. A exclusão de compositores que moram em localidades distantes da agremiação é um erro gravíssimo pois o maior papel que uma escola de samba deve desempenhar é o de união, interatividade entre os foliões.
Fazer parte de uma comunidade não é válido somente para aquele que mora no local mas também para todos aqueles que gostam e contribuem para a valorização deste local. A vida é uma coisa que se multiplica e no mundo do samba isto não poderia ser diferente, a humildade deve ser o grande lema para a permanência da paz, harmonia, alegria e respeito entre todos.





Texto de Rogério Nogueira (Rogerinho do Cavaco) desenvolvido a partir de pesquisas em livros, internet e depoimentos de sambistas.




Foto em preto e branco do GRES Império Serrano - Fonte: Arquivo O Globo

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